Má influência

“Minha mãe me disse que você é uma má influência.” 

Foi assim que um amigo me contou uma vez o que sua mãe pensava de mim. Senti-me lisonjeado! Rimos muito disso, pois sabíamos que de certa forma era uma verdade mútua. Acho que não era bem isso que ela esperava.

Hoje o que tenho é a memória de que já fui a má influência de alguém no passado, mas não tenho a recordação do motivo. Podem ter sido os piercings. Tatuagens não, pois naquela época eu ainda não as tinha. Tabaco? Álcool? Não sei, pois todos levávamos uma vida bastante boêmia, ele por vezes até mais do que eu. Não sei se sobraram outros motivos. Pode ser que seja a combinação de todos eles. Mas não importa muito, pois o que realmente importa é que um dia fui a má influência de alguém.

Ambos temos muito respeito por nossas famílias. Sempre tivemos, por mais que discordássemos de formas específicas de fazer algumas coisas. Mas qual geração não buscou ser melhor que a anterior criticando-a. Penso que nesse intervalo conseguimos aprender com eles e adicionar sem precisar invalidar tudo o que construíram. Honramos os legados que eles continuam nos passando da melhor maneira que conseguimos. Não fomos grande tormentos por onde passamos. Nos demos bem na escola e na universidade e quando chegou a hora de trabalhar não tivemos preguiça. Pode ser que hoje eu volte a ser uma má influência pela escolha de trabalho que tenho. Mas não acho que ele vá me seguir nessa. A cabeça dele é boa, teve uma boa criação, mesmo com as más influências que o cercavam.

Hoje somos celebrados pelos nossos pais. Deixamos de ser más influências. Meus pais nunca me disseram que algum dos meus amigos era uma má influência, pois acho que se começassem a julga-los teriam que condenar a todos. Então imagino que devem ter pensado em deixar a fase dessas amizades passar para que eu aprendesse com meus próprios erros. Perderam a oportunidade, pois a fase não passou, continuo tendo as mesmas amizades, e agora quase todos são responsáveis. Não dá mais para ter o prazer de chamá-los de más influências.

Casa nova

Agora o blog tem seu endereço próprio!

Queria fazer uma postagem de comemoração à isso. Já fazem alguns dias que consegui fazer essa mudança, mas só agora consegui parar para escrever algo em sentido de comemoração. Flerto com a ideia de ter um domínio desde que comecei a escrever o blog, mas estava esperando para ver o que iria acontecer com ele, qual seria o destino que levaria essa ferramenta. Amo escrever, e por mais que em alguns momentos fique sem postar durante algum tempo, não deixo de fazer da escrita um ato diário. Seja para relatar o que estou sentindo, o que estou pensando, criar textos de ficção, exprimir opiniões não ficcionais, qualquer coisa que me dê vontade ou que sinta necessidade de escrever, vira um texto, uma nota, uma observação, mesmo que particular, que nunca verá o público e o público nunca tenha acesso à ela. O importante é que o texto seja criado, escrito, saia da cabeça e vá para a página. Algumas vezes é uma página digital, outras uma página física. Mas isso realmente não importa, pois escrever, para mim, é uma necessidade, não um passatempo.

Com isso, decidi que estava na hora do blog ganhar uma casa própria. É um passo econômico e de comprometimento. Se ele tem casa própria, essa casa precisa ser cuidada e alimentada constantemente, caso contrário começa a decair e ruir. Mesmo o objetivo não sendo a fama do blog, algum movimento é sempre legal! E sinceramente espero que o que escrevo aqui faça alguma diferença na vida de quem lê. Pode ser de uma pessoa só. Então o texto é para essa pessoa. Se fizer a diferença na vida de muitas pessoas, melhor ainda.

Meu objetivo com o blog continua sendo o mesmo, escrever textos para serem apreciados e que possam contribuir com a vida de quem os lê. Que alguns sejam explícitos, que outros sejam subjetivos e só cutuquem para que o leitor chegue às próprias conclusões. Mas que faça com que aquele que passar pelo blog leve algo de melhor para a vida.

Com a mudança para um endereço próprio a experiência de navegação deve melhorar, uma vez que não haverá mais propagandas em nenhum lugar do site. E pretendo que continue assim. Não quero que o blog seja um outdoor para marketing digital, mas sim um local onde se pode entrar e acessar um conteúdo que será o melhor que eu conseguir publicar. Espero que seja cada vez melhor com o tempo.

Por fim, deixo um agradecimento à todos que já acessaram e continuam acessando meu trabalho. Como disse, este não é um passatempo, mas uma necessidade. Escrevo pois não consigo viver sem escrever. Divido o que escrevo quando acho que alguém poderá se beneficiar com o que escrevi. E continuarei a fazê-lo indefinidamente.

Erros

Temos a impressão de que sempre haverá a possibilidade de tentar de novo, de aproveitar algo em algum outro momento, de fazer o que não fizemos. Dizemos isso a nós mesmos e aos outros. “Fim de semana que vem eu saio com meus filhos”, “na próxima ocasião eu elogio minha esposa”, “quando der eu digo ao meu amigo o quanto ele é importante”. Mas algumas vezes acontece de não dar mais tempo. No outro final de semana chove. A esposa se cansa de esperar. O amigo vai embora para outro país. E a oportunidade passou sem que fosse aproveitada. Fica só a vontade de ter feito algo diferente e ter gerado boas memórias para todos. E o arrependimento do que não foi feito.

Mas trago boas novas! Muito do que deixamos passar pode ser reparado. Sim, pode ser que o momento ideal tenha passado, mas pode ser que não seja tarde demais se agirmos assim que nos dermos conta do erro. Uma mensagem ou ligação pode dar conta do recado em muitos casos. É usar a tecnologia a nosso favor, como uma ferramenta, e não somente como uma distração. Nos esquecemos de que ela é uma ferramenta e focamos só na capacidade de distração. Perdi a conta de quantas vezes liguei para minha esposa depois que já havia saído de casa para dizer que lhe amava. Não que tivesse esquecido, isso tenho orgulho de dizer que nunca fiz (esquecer), mas confesso que às vezes não falei com a vontade que queria falar, ou que ela merecia ouvir. E então liguei logo que houvesse percebido meu erro para repará-lo. Porque o ruim não é errar, mas é perceber o erro e não corrigir. Depois de algumas vezes tendo que reparar o erro (cheguei a descer do carro e ir de volta para dentro de casa, antes de ter saído do portão) comecei a não errar mais. Pelo menos não com isso! Erro com outras coisas, mas sempre que me lembro faço a reparação imediata. Da mesma forma que não deixo passar a vontade de dizer que amo meu filho, não deixo passar a vontade de voltar do portão e abraçá-lo de novo por ter achado que não foi forte o suficiente o abraço que dei antes. Ou abrir novamente a porta do quarto logo que fechei para dizer com mais ênfase: “te amo carinha”. Ele merece ouvir isso vindo do fundo do meu ser, e não só mecanicamente como um verso de boa noite. Recuso-me a dizer o que não é verdade assim como não dizer o que é verdade, e com a intensidade dessa.

Mas esse não é um ode ao erro ou uma solução mágica para todas as vezes que se erra. Algumas vezes é tarde demais. Quando descobri que meu pai estava atendendo ligações no hospital enquanto estava internado e eu não estava sequer enviando mensagens para ele, já era tarde demais. Quis poupá-lo para que se recuperasse, acabei não tendo o contato que hoje tanto desejava ter tido. Quando fiz o que deveria ter feito desde o princípio ele já não estava mais consciente. Ouviu minhas mensagens, mas nunca pôde respondê-las. Veja que algumas vezes pode sim ser tarde demais.

Então qual o propósito de escrever sobre isso? Qual o motivo de propor uma solução que não funciona o tempo todo e que algumas vezes pode nos fazer passar por tolos? A prática, caro leitor, não leva a perfeição, mas leva a quem queremos ser de verdade. Se negligenciar aqueles que ama é o que se pratica, é assim que serás. Não espere fazer diferente em algum momento no futuro se não tentar começar a fazer diferente desde o presente. Quando chegar o futuro pode ser que não tenha mais tempo de fazer diferente, e o segredo do erro é tentar não repetí-lo tantas vezes quanto a situação se apresentar, mas sim somente da primeira, ou das primeiras vezes. Quando as segundas vezes chegarem, já não erraras mais. 

Criatividade

Tentei juntar algumas músicas que gosto das letras para que elas fossem inspiração para escrever. Acabei escrevendo histórias totalmente não relacionadas às letras da músicas, que me vieram quando ouvia as músicas, não quando lia suas letras. Sim, eu ouvia a mesma música cuja letra eu estava lendo. Eu entendia o que estava sendo cantando quando me colocava em uma postura meditativa (o clássico olho fechado, fone nos ouvidos e rosto virado para o além) para tentar captar a essência do que estava sendo cantando. E então a história que me vinha não tinha qualquer relação com a letra da música, mas sim com o sentimento que a música despertou em mim e a história que esse sentimento fez borbulhar.

Achei isso um absurdo, pois não era o meu plano inicial. Não era o resultado que eu queria. Então comecei a forçar histórias que tivessem relação com as letras das músicas. E o resultado foi um desastre total. Nenhuma boa história saiu. Tive que abandonar a maioria por que depois de alguns parágrafos já não tinham mais salvação. Frustrei-me com essa ideia de como ter ideias. Depois aprendi com ela.

Meu plano não era ruim, só a rigidez dele é que era ruim. O processo criativo não funciona exatamente como o planejamos, mas sim como deve funcionar. Ler as letras me trazia uma ideia, mas que não gerava histórias, pois estas já me chegavam como histórias prontas. Acredito que isso acontecia por se tratarem de coisas já escritas. Agora, ouvir as músicas, isso despertava algo em mim que fez o meu processo criativo começar a rodar. E quando deixei isso acontecer, coisas lindas foram criadas. Nem tudo foi lindo, obviamente, mas a taxa de sucesso foi muito maior do que quando tentei manter a rigidez do que havia planejado e queria que desse certo.

Estou ainda aprendendo a ser criativo e a exercer essa criatividade. Houve um tempo em que não me considerava uma pessoa criativa. Agora acho que estou começando a tocar em algo que reconheço como criativo. Quem sabe um dia eu me olhe no espelho e ache que esse caminho teve resultado.

Poeta do Caralho

A expressão “poeta do caralho” tem me perseguido a alguns dias já. A primeira vez que a ouvi eu tinha pouco mais de quinze anos, quando um tio meu usou ela para descrever um sobrinho da parte portuguesa de sua família. Desde então ela nunca mais saiu da minha cabeça. O que é um “poeta do caralho”?

Durante a vida tive muitas experiências que me ajudaram a entender um pouco melhor o que são os poetas. Mas não os poetas que escrevem poesia, estes são escritores. Os poetas de verdade levam um estilo de vida de poesia, mas nem sempre escrevem. Eles vivem a poesia, eles são a poesia! Os poetas são os bon-vivant, aqueles que estão sempre prontos para aproveitar o momento presente, que quando não estão vivendo esse momento presente é por estarem aproveitando alguma outra situação em algum outro lugar em algum recôndito da própria mente, mas estão aproveitando. Nunca vi um poeta que sofresse de ansiedade, pois ansiedade é a angústia pelo que vai acontecer, e eles não querem saber o que vai acontecer. E também nunca vi um poeta verdadeiro, aquele que vive como poeta, sofrer de depressão pelo que já aconteceu e não pode ser mais alterado. O que passou, passou. Se lhe incomoda é por que ele não está vivendo no presente, e isso é simplesmente impossível para os poetas. Eles não sabem viver em mais lugar algum que não seja o presente. Eles ignoram que exista algo diferente do presente. E pode ser que estejam completamente certos.

Agora, e os “poetas do caralho”? Depois de tantos anos tentando entender quem são os poetas e até mesmo trazer um pouco dessa forma de vida para a minha própria vida, tornar-me eu mesmo um poeta, não consegui apreender a essência daqueles que evoluem para chegar à ter o sufixo “do caralho” em sua designação. Até esta última semana. Pensei muito sobre isso e acho que consegui finalmente entender.

Diferentemente dos poetas, aqueles que chegam a ganhar o segundo nome não vivem só no presente, não são os eternos bon-vivant que se vê por aí, não são os poetas óbvios. São os poetas do caralho. Se você não os conhecer, não conviver minimamente com eles em algum momento da sua vida, eles nunca vão ser poetas aos seus olhos. Eles sentem o passado, não sabem o que o futuro guarda e ficam curiosos com isso. Podem ficar lúgubres e ao mesmo tempo se manterem poetas. Podem derramar lágrimas e ao mesmo tempo usar toda sua capacidade para estar presente. Entendem que a vida por vezes pode parecer uma bosta, mas é a vida, e ela continua sendo linda. Eles são um passo diferente dos poetas, pois não precisaram chegar a ser poetas, eles já nasceram “poetas do caralho”. É um salto evolutivo, não só um estilo de vida.

Mesmo achando que entendi, talvez não tenha entendido de verdade. Esse meu tio que me apresentou a expressão, ele é um Poeta do Caralho (e de agora para a frente vale escrever com letrar capitais, pois isso é um título, não uma mera designação). Pode ser que ele não enxergue, mas com essa nova ideia que aprendi assim o considero. Meu pai foi um também. Conheço um tio da minha mãe que também o é. Diferentemente dos poetas, que requerem condições muito específicas para existirem, como alguns peixes de aquário, os Poetas do Caralho existem por que a vida é linda, e estão aqui para mostrar isso para quem quiser ver. Eles estão prontos para que alguém sente-se ao seu lado e olhe para tudo o que está na frente deles e sinta tudo que tem para ser sentido. Não importa o que seja, é o que está ali. E foda-se o resto, pois o resto não existe. O que importa é aquilo que está ali, pois é só o que existe.

Pequenos

Alguns prazeres são tão pequenos que quase passam sem que percebamos sua existência. Mas todos eles, sem exceção, saltam aos olhos quando deixam de estar presentes.

Já percebeu como faz falta o sol durante muitos dias chuvosos? E a chuva, quando fica muito tempo sem dar as caras? O som de pássaros, que nas cidades quase não se ouve mais. Ou o frescor do vento frio.

Hoje de manhã estava pensando que não sei se conseguiria morar mais em um lugar que não tenha vento como tem aqui. Nem me lembro mais como é não estar tão a mercê do clima, da natureza, de viver meus dias baseado nos dias que a natureza me presenteia. Todos os dias são presentes, cada um a sua maneira. Os dias de sol são para lavar e secar roupa, os de chuva são para olharmos para dentro de casa e de nós. Os de calor para correr para perto do mar, os de frios para chegar devagar para não se molhar. Cada dia é um presente para ser aproveitado conforme ele é apresentado.

Não sei mais o que é viver no automático. Viver sem olhar para o céu, sem sentir o cheiro do ar, sem ouvir o som do mar. Viver sem viver, só processar o alimento através do meu corpo sem sentir o seu sabor e o que cada coisa diferente que como faz comigo. Não sei mais o que é viver sem viver.

Choveu

Um trovão ao longe. Daqueles que se sente mais do que se escuta. Retumba dentro do peito e nos dá a certeza de que foi um trovão. Mas o dia está ainda tão bonito! Uma brisa morna sopra do norte ou nordeste, não tenho muita certeza, mas está muito agradável. Um pouco mais quente do que o meu gosto, mas definitivamente a brisa torna o dia bastante agradável.

Mais um trovão. Esse já foi percebido pelos ouvidos também. Apesar do dia continuar bonito é possível perceber que a luz do lado de fora já mudou. Estou lendo e tenho que acender uma lâmpada no escritório para manter a claridade adequada mesmo que não seja fim de tarde. Não questiono, só faço. Está previsto mudar o tempo, então é esperado que isso ocorra em algum momento do dia.

Uma janela bate. O escritório tem janelas em todas as paredes, e devido ao calor todas estão abertas. Agora aquelas que se abrem para o sul acabam de bater com força, mas não sem antes deixar entrar uma lufada de vento que gela o corpo inteiro. Não é mais a brisa morna que vinha de norte ou nordeste, mas um vento frio e cortante que vem do sul.

A janela bate novamente. Não me levantei de imediato para fechá-la, então o vento resolve que precisa puxá-la e forçá-la novamente, para ver se me tira do meu torpor literário. “Levante-se!” ele diz. E é isso que faço. Levanto e travo a janela que está batendo e as outras que estão viradas para leste e oeste, por onde também entram rajadas do vento gelado. Antes eu estava no limiar de começar a suar, agora já estou pensando se não devo colocar a camiseta.

As árvores tentam decolar. Pelo menos é o que o som do vento batendo em suas folhas parece traduzir. Ou irão decolar ou ficarão completamente despenteadas. Como nunca vi árvores decolarem coloco minhas apostas em que elas ficarão muito descabeladas. Não preocupe-me ainda com a quantidade de folhas que ficará espalhada pelo quintal, pois ainda venta e ele as levará para onde deverão ir.

Outro trovão, este precedido por um relâmpago. Agora sim é impossível fingir que o tempo não mudou, não virou. Paro minha leitura e olho pela grande janela do escritório virada para o sul. Não há mais céu, somente nuvens. Imerso que estava em meu livro não vi o tempo mudar. Foram minutos ou horas? Olho no relógio, mas de nada adianta, pois não sei que horas eram antes, então fico só com a informação de que horas são agora.

Uma lufada de vento que respinga na janela. Pois é, se havia ainda a dúvida de que iria chover, essa foi a prova definitiva de que já está chovendo. E junto com ela o margaridão que nasceu na divisa com o terreno do lado perde quatro ramos, que tentaram sustentar-se contra o vento e perderam a disputa. Tolos, não sabem que tem que ceder ao vento para depois voltar a buscar o sol? Só as grandes árvores conseguem resistir bravamente contra esse vento. E ainda assim, o abacateiro com seus ramos novos sempre acaba perdendo algum galho grande que ainda não estava completamente decidido e acaba caindo. Não se luta contra o vento, ele sempre ganha!

Não acontecem mais trovões. Eles foram somente o prelúdio do que viria e uma vez que o evento está aqui eles cumpriram seu papel e retornaram para as coxias. Agora é a vez da água, junto com o vento. O vento ficou, ele foi protagonista. A água até veio, mas não conseguiu sobrepor a força do vento. Ela dançou ao ritmo da música que o vento empurrou. Juntos armaram um espetáculo, mas a graça da água foi toda suscitada pelo vento. Se não fosse por ele a água seria linda, ainda assim, mas ele tornou-a uma bailarina. Não houve melancolia, houve movimento. Não houve choro, houve riso.

Ontem choveu. E ventou. E foi lindo.

O dia que não existe

A cada quatro anos temos um dia a mais no ano. E depois ele some, fica por três anos sem aparecer. Do nada, ele aparece, confunde todo mundo, e some sem dizer para onde foi. Dizem que ele volta de novo daqui a quatro anos, mas isso é tanto tempo que quando ele aparece novamente acontece de algumas pessoas nem lembrarem que ele existia, e começam a viver em Março um dia antes, tendo que corrigir data na agenda, no caderno, em cheque. Quero ver como meu relógio vai comportar-se com isso. Ele não é um smartwatch, o que me obriga a ser smart por ele. Mas ele sabe as horas o tempo todo, com precisão de segundos, coisa que ainda não aprendi a fazer.

Existem também aqueles que se perguntam todos os anos se já estamos no ano que tem esse dia mágico, que simplesmente aparece junto com o coelho branco. Essas pessoas são aquelas desconfiadas. Será que ele mês tem um dia a mais? Será que este é o ano mais longo? E tentam lembrar-se, ou simplesmente sabem, quando foi a última vez que esse dia apareceu. Quando me deparo com essas pessoas que falam sobre esse dia como se ele fosse totalmente controlável ou previsível tenho um pouco de medo. Será que sou assim também? Pode ser que sim. Ou não, acho que depende do ano!

E o mais louco de tudo, o mais insano, o mais irreal de toda essa situação. Tem pessoas que nascem nesse dia. O que acontece com elas não sei. Elas desaparecem junto com o dia para voltar só dali a quatro ano de novo? Nunca conheci alguém que tivesse nascido nesse dia. Sequer tenho certeza se essas pessoas podem conviver conosco, reles mortais que não nascemos em dias mágicos. Ouvi dizer que elas ficam por aí, mas comemoram os aniversários no dia antes ou depois, conforme a conveniência. Mas o dia do aniversário mesmo passa muito rápido, pois ele está encaixotado entre o último segundo de um dia e o primeiro do dia seguinte. É muito rápido que aumenta a idade dessas pessoas, não dá nem tempo de se acostumar ou de ouvir brincadeiras como “e aí, como está se sentindo ficando mais velho”. Não rola essa, a pessoa ficou mais velha de repente, em menos de um segundo. Puf, aconteceu.

Esse ano tem um dia desses. Estou escrevendo em perplexidade com essa informação, dois dias antes e programando o post para ser publicado nesse dia tão curioso. Assim como meu relógio, que não sei como irá comportar-se, quero ver como o blog irá reagir. Espero algo estilo bug do milênio, que muitos só vão ter conhecimento através de livros de história atualizados. Caramba, isso foi a tanto tempo que tem pessoas formadas em cursos superiores que não viveram essa época louca, em que o mundo ia acabar por que os computadores não iam saber lidar com a virada de século.

Hoje não

Estive em conferência comigo mesmo e chegamos à conclusão de que hoje não era um dia bom para escrever. Esteve frio e agora está calor novamente. Estou com dor de garganta, pois apesar do calor que faz agora, as noites estão frescas e acabei ficando exposto e agora tenho aquela sensação de que a garganta coça o tempo todo. Péssimo para escrever isso. Simplesmente péssimo. Além disso, ontem passei o dia todo com o olho direito coçando. Isso só pode ser um sinal de que não deveria escrever hoje. Foi um sinal ontem de que não deveria escrever hoje, apesar de ter acordado com o olho bom, ou pelo menos tão bom quanto estava no dia anterior, quando ele não estava coçando. Achei que era uma conjuntivite, mas aparentemente no final não era coisa alguma. Só um sinal de que não deveria escrever hoje.

Quando abri o computador para escrever o gato bocejou alto. Mais um sinal, que juntando com aqueles dados pela minha saúde, não deveria escrever hoje. Nada de bom vai sair disso. Mesmo que ainda não seja meia noite. Ou sequer meio dia. Mas nada de bom há de sair de se escrever em um dia com tantos sinais de que não se deve escrever. Em verdade, não estou escrevendo, estou somente deixando um recado de que não vou escrever hoje. Espero que vocês entendam. São todos os sinais que o dia está me transmitindo.

Existe também uma questão a qual estava evitando tocar, sobre esse ponto, assunto, tema, de não escrever. Há tempo e espaço para fazê-lo hoje. A esposa está na rua com as crianças. O único a fazer barulho é o gato, que como as crianças não estão em casa, decidiu-se por dormir no meio da sala. Afinal, não há o risco de ser sorrateiramente atacado por crianças que só querem abraçá-la, esmagá-la, apertá-la até que seus olhinhos saltem para fora. Sim, é uma gata, e não um gato. Houve um erro ali atrás, mas acho que ela não vai se importar, afinal, não estou escrevendo, somente deixando um recado. Escrever é mais definitivo, este recado é efêmero. E até onde chequei da última vez, ela não sabe ler. Ainda.

Mas devo encerrar este aviso paroquial o quanto antes, para que não maçe aos parcos leitores. Não vou escrever hoje devido aos sinais de que não devo escrever hoje. Vocês perceberam, deixei explícito. Foi o olho, a garganta, o gato e o tempo, assim como o espaço. Deve haver também algum alinhamento planetário, mas como não vou escrever hoje, não existe razão para pesquisar sobre isso.

Obrigado pela compreensão.

Metáforas

Questionar o inquestionável. Quando tudo se perde, quando a base se desfaz, por que não questionar também a corda que está lhe prendendo, aquele último fio que parece estar lhe salvando. Pode ser que ele esteja lhe prevenindo de cair do topo de um arranha-céu, mas ao mesmo tempo, pode ser que o chão esteja logo ali, e a corda esteja lhe prevenindo somente de colocar os pés no chão e sair andando como deveria. Como saber? Olhando para baixo e tentando tatear as superfícies, é um bom começo. Para não ser enforcado de joelhos, colocar os pés no chão e gentilmente retirar a corda que lhe passa pela cintura (ou pelo pescoço) e caminhar sobre pernas vacilantes, mas que ficarão fortes, pois foram feitas para andar.

Tudo isso é uma metáfora, ou não. Acho interessante colocar a vida e diversas de suas facetas a forma curiosa de metáforas. Gosto também de usar referências, mas muitas vezes elas não fazem sentido fora da minha cabeça e acabo precisando explicar todo o contexto de onde tudo saiu e acaba que o assunto inicial perde-se em meio à explicações. Quem sabe conseguirei um dia deixar que os outros pensem no sentido das frases sem preocupar-me em explicá-las.

Null

Não tenho o maior amor pela praia, pelo verão, pelo calor e agito. Sim, sou o clássico chato dentro do cancioneiro popular. No entanto gosto da água, do vento, da chuva, do barulho do mar constante (quando sopra o vento sul ou vento nenhum), do silêncio ruidoso que a natureza tem com seus passarinhos, do frio que faz no inverno com o vento cortante que quando levo as crianças na praia parece que vão desbravar geleiras. Meu filho tem um casaco com imitação de pele no contorno do capuz. Durante o último inverno usou vários dias, e com o vento soprando naqueles fios rajados imitando pelos (longos) de tigre parecia o verdadeiro explorador do ártico. Exceto que no fundo era areia e mar, e algumas vezes havia até mesmo sol, mas ele queria usar o casaco assim mesmo. E provavelmente este casaco não servirá mais no inverno deste ano, então ele fez bem em usar o máximo que pode.

Não tenho um propósito para esse post. Precisava comunicar somente que não sou fã do verão, mas sim do inverno. Prefiro o outono à primavera. Mas gosto dos pássaros cantando e voando, do cheiro das flores que enchem o ar quando saio no quintal ou passo de bicicleta por alguma casa que tem um arbusto vistoso e cheio de atrativos coloridos para os insetos, que também chamamos de flores. Gosto de poder entrar no mar e sair sem preocupar-me se ficarei resfriado ou não porque não quis levar uma toalha para a praia. No final de semana fomos à praia e não usamos toalha, pois o sol nos secou todas as vezes que saímos do mar. E ninguém ficou resfriado por isso.

Gosto das noites frescas que equilibram os dias quentes no verão. Elas acontecem muito mais no outono e na primavera, mas alguns dias, como hoje, o tempo fecha e sopra um vento fresco prometendo que conseguirei dormir de noite, pois não estarei me afogando em uma poça de suor. Essa observação pode ter sido muito crua, mas é assim que sinto o verão. Cru.

Para algo sem propósito, até que rendeu. Como disse, depois de terminar de ler nada haverá mudado na minha ou na sua vida, mas agora você sabe que prefiro o inverno. Ocupei um espaço na sua cabeça. Use como conversa de elevador, quando já tiver gasto sobre a hipótese de chover ou não. Diga algo como “li sobre uma pessoa que prefere o inverno ao verão. O que você prefere?”. Quem sabe tenham algo em comum. Ou quem sabe você foi mais simpático e falou sobre algo além da chuva que pode ser que nem venha.

bloganuary #14

Sugestão de conteúdo do Bloganuary
Como você se comunica online?

Poxa, o WordPress.com fez uma campanha para incentivo à escrita diária mas só vi no dia 14 de janeiro. Não que eu não escreva diariamente, mas de uns tempos para cá tenho preferido lápis e papel. Por vezes parece que flui melhor, e ultimamente é o que tem acontecido.

Respondendo à sugestão “como você se comunica online?”, algum tempo atrás me decidi por ter a menor pegada online possível, assim como tentar ser o menos rastreado possível. Sendo assim, não tenho contas em redes sociais. Pelo menos não contas para me comunicar com o mundo em geral, pois no Instagram tenho uma conta para receber o que minha esposa me manda. É mais fácil visualizar as postagens por lá quando se está logado.

Sendo assim, tenho três formas de comunicar-me: e-mail, WhatsApp e este blog que estás lendo. E ainda assim de tempos em tempos fico sobrecarregado com essas ferramentas e dou um tempo de alguma delas, como aconteceu com o blog no ano passado.

Sei que a comunicação online hoje é essencial, mas sinto-me muito mais a vontade com a comunicação offline. Mantenho o online para o estritamente necessário, usando o offline para o máximo possível de situações. É quase uma nostalgia de quando eu era criança e tudo funcionava assim, e olha que nem posso ser considerado como velho.

Quando eu estava pela metade dos meus vinte anos segui a tendência de fazer tudo online. Qualquer comunicação era um e-mail e depois uma mensagem de WhatsApp. Poucas semanas atrás deparei-me com uma situação que um prestador de serviços não estava conseguindo resolver pois estava usando somente essas formas de comunicação. Como se dizia antigamente, passei a mão no telefone, e em uma ligação resolvi toda a questão, conversando offline com a pessoa e direcionando o que precisava acontecer. Em questão de horas tudo estava resolvido. Faziam quase dois meses que o assunto estava sem solução.

Lembrei-me muito do meu avô nessa questão. Ele me dizia para não ficar usando “essas coisas que só existem no computador”, mas para pegar o carro e ir até o cliente ou fornecedor. Mostrar a cara e ver a cara, sentir o aperto de mão da outra pessoa, estar no mesmo lugar que o outro. Segundo ele, os relacionamentos só se formam assim. O resto são só troca de informações.

Cachorros de rua e crianças

Algum tempo atrás li em algum lugar que cachorros de rua andam o dia todo, chegando a andar dez quilômetros por dia em média. Também à algum tempo li que devemos fazer com que nossos filhos exercitem-se até quase a exaustão todos os dias, pois assim criam resiliência e toda aquela energia que eles tem é direcionada para exercitar-se e não deixar os pais loucos. Logo, fiz a óbvia associação: crianças são iguais a cachorros de rua. Tendo as duas informações, essa comparação fica simples. Ou não.

A questão é que nem todo mundo tem essas informações. Na verdade, quase ninguém tem essas informações. Assim, o melhor que consigo quando uso essa expressão sem explicar todo o contexto, o que normalmente não é possível, é um “como assim?”. Na maior parte das vezes a retribuição é um nariz torcido, afinal, estou falando de duas classes absurdamente protegidas, os cachorros de rua e as crianças. E eles não devem ser misturados nem comparados. Muito menos por um homem, branco e privilegiado. Um ultraje.

Por fim, decidi adaptar a expressão. Quando vejo que caberia o comentário “crianças são iguais a cachorros de rua” uso um sonoro “humpf”. Aparentemente isso faz muito mais sentido do que a anterior e não ofende ninguém.

Derreter

O sol nascente chega para iluminar todos os pesadelos que a noite pode ter trazido. Os pensamentos mais obscuros não resistem ao calor e luz que o sol no horizonte projeta. Pouco a pouco começam a se desfazer frente à luz vermelha e amarela que banha o mundo.

Quaisquer que tenha sido durante a noite, quando a luz do sol começa a inundar o mundo eles começam a buscar os cantos mais escuros para se esconder. Quando menos cantos tivermos na mente, menos lugares os desgraçados terão para refugiar-se. E ao final, depois de todos alinhados no pátio, abrir os olhos e o peito de frente para o sol que surge no horizonte derrete-os para sempre, como se fossem feitos de cera fraca, cera mole, que começa a soltar gordura só com o calor da mão.

Aniversários

No último final de semana meu pai teria completado sessenta e dois anos. Nos próximos dias farão dois anos que ele faleceu. Quando de seu aniversário ele já estava doente, mas ainda não estava internado. Seria uma questão de dias.

Penso que consegui superar o inevitável fato de que ele já não está mais presente em corpo físico conosco, mas que está sempre em nossos corações, em nossas ações e nossa postura perante o mundo. Mas existem dias em que isso é muito difícil. Os abraços fazem falta.

A princípio tentei manter sua memória viva com o exercício “o que meu pai faria se estivesse aqui?”. Mas cheguei a conclusão de que isso só estava prolongando a minha dor. E afinal, ele me criou para ser como sou, não como ele é. Assim, agindo com minhas próprias vontades verdadeiras sempre vou realizar o que ele gostaria que eu fizesse.

Depois tentei manter um diálogo. Contar como foi o dia, a semana, como meus filhos estavam crescendo e desenvolvendo-se. Funcionou, das primeiras vezes, mas novamente cheguei a conclusão de que só estava estendendo meu período de luto desnecessariamente. Ele não ia querer que eu ficasse remoendo algo que não posso mudar. Sempre que me deparava com algo assim ele me confrontava com o questionamento “e o que é que você pode fazer com relação à isso?”. Se a resposta era nada, não se preocupe, pois não depende de você. Preocupe-se somente com aquilo que irá reagir com as suas ações.

Então fiquei sem ter uma forma de constantemente reavivar a memória dele em minha vida. E me senti culpado por isso. Como eu poderia deixar de honrar sua memória desse jeito? Eu tinha que fazer algo que pudesse evocá-lo o tempo todo para mantê-lo vivo em mim. Mas o que? E a resposta veio do meu filho. Ele me disse 

  • Papai, o vovô está o tempo todo junto com a gente, não é?
  • Sim meu filho, está sim.
  • Mesmo quando estamos bravos?
  • Sim meu filho.
  • E quando estamos tristes?
  • Também.
  • E se fizermos coisas erradas?
  • Ele vai estar conosco também, as vezes até pronto para chamar a nossa atenção!
  • Então nós nunca mais vamos estar sem ele, igual quando ele morreu.

Nunca mais vamos estar sem ele, igual quando ele morreu. Não importa o que eu faça, não preciso chamá-lo de volta para ter uma ligação constante com ele. Meu filho sente a conexão com ele. Eu sinto a conexão com ele. A maior diferença é que quando eu sentia essa conexão muito forte muitas vezes meu telefone tocava, enquanto que agora o que preciso fazer é parar, respirar fundo e sentir.