Contato

Nas últimas semanas usei um tempo para revisar os contato que tenho salvo no meu telefone. Sim, uma atividade relativamente desnecessária, exceto se você tiver passado pela situação de copiarem sua foto de perfil no WhatsApp e tentarem se passar por você. A foto de perfil está disponível somente para quem está salvo nos meus contatos, o que significa que algum número salvo nos meus contatos não deveria estar lá. Assim sendo, a motivação da atividade foi uma questão de segurança, tanto minha quanto de familiares e conhecidos. Não sei exatamente como fazem isso, mas sei que não foi bacana. Minha mãe uma vez caiu em um golpe assim e passou um dinheiro para mim, mas não era para mim.

Voltando, revisei meus contatos salvos. Eliminei muitos, muitos mesmo. Prestadores de serviço de cidades que não moro mais, pessoas relacionadas à antigos empregos e que só precisava quando estava no emprego, pessoas que eu não sei quem eram e não sei qual fora a origem do contato. Alguns desses últimos usei o dito aplicativo de mensagens supracitado para verificar a foto e tentar descobrir quem eram, e aconteceram casos em que Anas tinham barba e Jorges tinham longas madeixas. Ou seja, contatos que já não eram mais das pessoas à quem pertenceram originalmente e eu fiquei sem saber quem era quem. Mas não perdi tempo na decisão de excluir estes e segui adiante.

Isso já aconteceu algumas semanas atrás e não estou mais me preocupando com essa atividade. Mas ontem escutei em um podcast falarem sobre a pergunta de uma pessoa que tem mais de mil contatos e que estava incomodada com isso e queria saber se apagar contatos de pessoas com quem ela não se relaciona mais seria algo ruim, como apagar o passado. Pensei comigo que era uma pergunta relativamente tola, pois não tem como apagar o passado com a atitude de apagar um contato no telefone, tudo o que se viveu com a tal pessoa fica na memória e não no contato no telefone. Então o apresentador do podcast fez algo que me deixou surpreso. Ele apagou o contato de um grande amigo que já havia falecido a mais de uma década mas que ainda estava salvo no celular dele. Fez isso enquanto gravava o podcast. Não achei tolo o que ele fez, mas intencional. E o próximo parágrafo vai explicar o motivo.

Quando ouvi o que ele ia fazer me lembrei de um contato específico, salvo no meu telefone e que deliberadamente não apaguei na limpeza que fiz semanas atrás. O contato do meu pai.

Meu pai morreu a cinco anos. No ano passado troquei de telefone e acabei perdendo todas as conversas que eu tinha salvo com o contato dele. Apesar de na minha agenda ainda haver a foto dele, o número não está mais registrado no aplicado de mensagens, o que significa que está disponível para ser redirecionado para outra pessoa. E eu ainda tinha o contato dele salvo na minha agenda e não o apaguei. Na hora em que estava revisando os contatos não pensei nisso, foi uma decisão sem crítica alguma, simplesmente pulei o contato dele e segui adiante, mas ao ouvir o podcast me questionei: se não tenho mais as conversas e mesmo se eu ligar ele não vai atender, por que motivo tenho o contato dele salvo ainda? Tomei a decisão, mas não a ação.

Mais de hora depois cheguei em casa com isso na cabeça. Sim, é só um contato de telefone, mas seria como apagar o passado com meu pai? A pergunta não durou muito tempo, pois me lembrei da pergunta no podcast e dei risada. Na hora achei a pergunta tola e pouco tempo depois eu estava me fazendo a mesma pergunta. Peguei o telefone, acessei a agenda de contatos e busquei o nome do meu pai. Apaguei o contato.

Sabe o quanto da minha memória com ele se esvaiu quando apaguei o contato? Nada, absolutamente nenhuma memória foi esquecida.

Ouvi dizer que em algumas culturas as pessoas evitam dizer o nome dos falecidos, para que eles possam seguir seu caminho sem ficarem sendo constantemente chamados de volta. Acho que não preciso chegar a tanto, mas é simbólico deixar que a pessoa falecida siga seu caminho e nós, vivos, sigamos o nosso. O legado é importante, mas ele é o que sustenta o futuro, não o passado. Lembrar é bom, viver de lembrança é deixar o legado degradar-se. Tenho certeza que não é o que meu pai e nenhum outro pai gostaria que os filhos fizessem. Meu pai, especificamente, falava abertamente para mim que o que passou não muda, olhe para frente e pense em como vai fazer o que ainda está por fazer. Não se arrependa do que fez, mas do que não fez. E lembre-se disso, para que não tenha nada do que se arrepender.