Pedras nos bolsos

Quando eu era pequeno, na minha primeira e segunda infância, até a adolescência, onde eu já não era mais tão pequeno assim mas somente jovem, eu era muito magro. Não magro doente, só magro demais. Comia bem, não faltava comida em casa. E chegava a comer cinco cheeseburguers de redes de fast food um seguido do outro. Mas fazia isso depois de ter pedalado, corrido ou andado muito, e depois tornava a pedalar, correr ou andar. Algumas vezes também nadava. Naturalmente mais tarde comecei a praticar triathlon, mas eu odiava correr, então só o fazia quando o treinador estava olhando, caso contrário eu caminhava, e ele não entendia como eu conseguia fazer tempos tão bons na natação e na bicicleta e depois perder toda a vantagem na corrida. Mal sabia ele que a minha corrida quase não chegava a uma marcha atlética! Mas isso tudo fazia com que eu fosse magro, muito magro.

Ainda muito novo, uma criança com seus cinco anos, tenho a memória de que conseguia colocar o dedo dentro do buraco da tomada. Com o meu conhecimento de adulto de que os padrões de buracos de tomada não mudaram muito de então para cá, sei que não seria possível fazer isso, mas uma vez afirmei para alguns amigos em um bar que conseguia fazer isso e não era por lorota, mas por que era e continua sendo a memória que tenho. Talvez seja pela advertência que recebi alguma vez que mexi em tomada, o clássico “não enfia o dedo aí dentro moleque”, e na minha cabeça eu conseguia enfiar o dedo dentro da tomada. Mantenho-me no meu argumento, de que na minha memória eu conseguia enfiar o dedo no buraco da tomada. É impossível, eu sei, mas é o que a minha memória me conta.

Então pela época da minha pré adolescência, quando eu estava começando a passar mais tempo na rua do que em casa, um dia um tio meu me disse: não esquece de levar umas pedras no bolso, para o vento não te levar. Não me lembro o que eu estava indo fazer, mas lembro que adorei a expressão. Já sabia que o vento não iria me levar, já tinha tentando pular a favor de um vendaval para tentar voar um pouco e não tinha funcionado, mas gostei demais da expressão. Igualmente gostei quando me chamaram de capa de grilo e de chassis de codorna. Eu não gostava de ser magrelo demais, mas não tinha o que fizesse que me levasse a ganhar peso. A cerveja resolveu depois, mas bem depois.

Guardei as expressões com carinho na minha memória. Hoje não sou mais nem capa de grilo nem chassis de codorna, e com certeza não corro mais o risco de o vento me levar se eu não estiver com algumas pedras no bolso, mas mesmo assim guardei para eventual necessidade. E ela apareceu! Alguns anos atrás meu filho pegou uma virose daquelas boas, que sai por cima e por baixo, nada para no estômago. Ele perdeu quase dez por cento do peso corporal em dez dias, pois não estava comendo nada e ainda passando mal. Ficou magro como uma.. capa de grilo! Obviamente que não usei isso com ele, ainda era muito novo e iria soar como bullying, mas um dia não resisti e soltei para que ele colocasse algumas pedras no bolso. Como estava demorando para ganhar peso de novo ele passou a ser o magrelo da casa, e onde moramos agora venta muito mais do que onde eu morava quando criança. Assim que, um dia ele foi sair com a avó para ir a praia e eu lhe disse “colocou umas pedras no bolso?”. Ele me olhou intrigado e perguntou por quê. “Para o vento não te levar!”. Ele estava sem camisa e dava para ver que não tinha barriga nenhuma. Não estava mais magro de doente, mas ainda não estava com a pele toda preenchida. Ele pensou sobre aquilo, saiu no quintal, avaliou o vento, voltou para dentro de casa, saiu de novo, voltou para dentro de casa e destrocou a roupa de praia. “Não quero mais ir não vó, está ventando muito”.

A mãe ficou louca de braveza. Vai causar um trauma no menino! Agora vai lá resolver! Peguei ele pela mão e levei para o quintal. Levantei ele e soltei no vento. Caiu reto, sem sair um centímetro do lugar. Viu filho, não vai voar não, o papai estava brincando. Ele aceitou. Trocou de novo a roupa para ir à praia e foi. Por precaução, colocou uma pedra em cada bolso da bermuda.

Já expliquei para ele várias vezes que o vento precisa estar muito forte para conseguir arrastar uma criança ou um adulto, mas até hoje de vez em quando, quando ele precisa sair e tem um pouco mais de vento, ele coloca alguma coisa nos bolsos. Não precisa ser uma pedra, mas ele carrega algo. Às vezes é uma bolsinha com algumas coisas que ele não vai precisar. Não sei se é consciente mais, mas ficou como hábito. Está ventando? Pega um casaquinho para caso esfrie e coloca alguma coisa nos bolsos para não voar.