Pântano

Acontece de de vez em quando se estar em um lugar muito ruim. Não um lugar fedido ou sujo ou desconfortável. Não um lugar físico muito ruim. Apesar de de vez em quando isso acontecer também, mas não é à isso que me refiro. Estou falando de um lugar ruim dentro da cabeça. Um lugar onde parece que o coração está partido, mas nada o partiu de verdade. Um lugar em que acontece de não nos sentirmos nós mesmos, de não parecer que temos a vitalidade que temos e nem a vontade que temos, para nada. Não tenho um nome oficial para isso. Minha terapeuta chamava de um lugar de depressão, mas não que se está em depressão, só que de vez em quando passamos por lá e as coisas não ficam muito legais. É aquela tristeza triste que bate e não se sabe de onde veio nem o que significa. Não é um lugar legal, é um lugar um tanto ruim.

Aconteceu esses tempos de eu ir parar nesse lugar. E digo parar pois acabei ficando por lá mais tempo do que normalmente fico. As coisas perderam a cor. Os cheiros não mais interessavam, até parei de senti-los. Qualquer som era ruído. Tudo perdeu a graça. Quando acontece de passar por lá, busco o que me tira de lá e só saio, com calma e paciência, pois não é o meu ritmo que vai ditar essa saída, mas o ritmo que me for permitido pelo que me levou até esse lugar. Dessa vez não foi assim. Busquei o que me tira e não consegui sair. Como se eu estivesse abaixo da superfície de um lago que congelou e pudesse ver tudo acontecendo lá do outro lado, mas não conseguisse sair. Nesse caso, eu era um pouco aquaman, pois conseguia ficar embaixo da água sem morrer, o que não é uma verdade e por favor não tentem isso em em hipótese alguma, foi só uma figura de linguagem. Vou tentar outra, menos perigosa. Foi como se eu estivesse atrás do espelho, do outro lado de uma janela de vidro, onde eu enxergava o que estava acontecendo do lado contrário, mas ninguém me enxergava ali na minha prisão semi transparente. E a sensação era essa justamente porque eu não conseguia sair dali e ninguém me percebia ali. Me viam, me acenavam, mas não notavam que eu estava preso e em desespero. Eu acenava de volta, mas não tinha mais forças para pedir ajuda. E não pedi. Então só fui ficando lá.

Não digo que foi uma depressão clínica, pois não tenho quinhão para isso, mas foi uma depressão. Uma depressão no sentido de que os meus sentidos e sentimentos ficaram fracos. Não tinham forças para sustentar-se e eu não tinha força para sustentá-los. Eu não me abri para ninguém, pois a porta para deixar alguém entrar e me ajudar estava tão pesada que eu não conseguia nem mesmo move-la de onde estava. E então ninguém veio.

Mas, assim como a ansiedade, que vem e vai e eu não morro nesse meio de caminho, eu sabia que conseguiria sair desse lugar. Ele também vem e vai e sempre consegui sair dali. Sabia que era uma questão de tempo. Como um pântano que precisava atravessar, com seus atoleiros e humores não muito agradáveis. Mas em algum momento ele acaba. Exceto se estiver em Dagobah, mas aí é outra história e no final você sai de lá um Jedi ou não sai at all. Mas acho que depois de sair de qualquer pântano, seja ele físico ou emocional (ou Dagobah) acabamos nos tornando um pouco mais Jedis. Descobri que o meu pântano estava acabando quando decidi ir à praia e ficar lá, em um dia sem sol, mas com os pés na água, sentindo o mar lavar meus pés. Senti a maré subir e descer, o vento arrepiar meus braços e costas. E senti que os humores do pântano já estavam ficando mais leves.

Repeti a dose algumas vezes, senti vontade de pedalar de novo, comecei até a correr, algo que simplesmente não gosto de fazer. E assim o lodaçal foi ficando mais sólido, as cores começaram a voltar e reaparecer, os ruídos voltaram a ser risos. Demorou tanto que considero que algo mudou em mim. Algo muito profundo. Não sou a mesma pessoa de quando entrei nesse pântano figurativo. Considero que não saí sozinho, mas deixei-me conduzir para a saída. Deixei que minha própria vida me levasse de volta para a praia, para a beira do mar, e assim saí de onde estava. Ainda não consigo tirar minha nave espacial de dentro do atoleiro para voltar para casa, mas acho que sinto-me um pouco mais Jedi.

Ps.: Eu simplesmente ignoro toda a qualquer alteração feita na história original dos Jedis, considerando somente os episódios IV, V e VI, seguidos dos I, II e III. Depois disso, o resto é entretenimento.