Inconformado

Estive muito inconformado durante o ano passado todo. Principalmente na segunda metade do ano, quando aconteceram alguns fatos na vida privada e no mundo que mexeram comigo de forma a me deixar ainda mais inconformado. Assim sendo, terminei o ano inconformado. Não tem outra palavra para isso, pois não era bravo nem irritado, mas inconformado. Aquela expressão de não entender o que estava acontecendo e ao mesmo tempo não aceitar que aquilo era uma verdade, que meus olhos estavam vendo aquilo, ou meus ouvidos ouvindo. Ardia por dentro, mas não era de fúria, era de inconformação mesmo.

Viajamos em família no final do ano para fugir do movimento onde moramos, que é um lugar deveras turístico. Não adiantou muito, pois já existia muito movimento antes e continuou existindo depois. O movimento só reduziu mesmo nesta última semana, e já estamos na segunda quinzena de março. A temporada de férias foi longa, mas sempre é. Então o fugir do movimento foi para fugir do movimento durante os dias que envolvem a virada de ano, que são muito mais ativos por aqui. Essa viagem ajudou a me resetar, colocar um pouco de panos quentes na minha inconformação, dar fôlego para enfrentar o que mais estivesse por vir.

Então ao voltar, fiquei novamente inconformado. Mas dessa vez a inconformação era mais branda, poderia dizer até que ela tinha um caráter quase de iluminada. Não era iluminada de forma alguma, era inconformação pura e simples, com vontade de xingar em algumas situações e de sumir em outras, mas em geral ela acabava resumindo-se em uma expressão que representa uma dúvida profunda, como se um nó se formasse a partir do nariz e se espalhasse pelo rosto. A cabeça fica levemente inclinada e aí temos, a expressão de inconformação que no fundo é uma dúvida do tipo “não é possível que estou vendo isso”, junto com a sensação de que os olhos vão pegar fogo com o que se vê. Não, não vou dar exemplos. Cada um que pense nos seus exemplos do que lhes deixa inconformados, não vou denunciar nem reprimir ninguém aqui. Este é um espaço de livre expressão, mas não me culpe se algum tipo de expressão me levar a responder com a posição facial acima mencionada. Pode ser mais forte do que eu, inevitável.

Ainda estou inconformado com algumas coisas, mas o dia a dia me leva a não pensar muito nelas, acabando que só fico inconformado quando tropeço nelas pela vida. Ainda não entendo, não aceito, muito do que acontece mundo afora, mas não tenho como evitar então só torço o nariz e tento não tombar a cabeça, para não ser uma expressão tão marcante, mas acaba sendo mais forte do que eu algumas vezes. Talvez esse seja o segredo, não prestar atenção no que está acontecendo lá fora, focar em resolver-se só aqui dentro, e caso tropeçar em algo, torcer o nariz, desviar e seguir em frente. Não olhar para cima, por assim dizer.