Hoje de manhã entrei no mar e a água estava muito gelada. Gelada de doer os ossos. E ao sair, me sequei muito rápido ao sol que estava forte, ardendo como se estivéssemos em pleno verão, mesmo que já estejamos em vias de começar o outono. Depois de algumas semanas com calor intenso, agora no meio da tarde o tempo começa a virar. Era previsto que isso iria acontecer, que o calor não iria sustentar-se por muito mais tempo, mas já fazia um tanto que não via os elementos revoltos assim, com a chegada do vento frio que vai romper o calor e simplesmente iniciar o outono de uma vez, com uma virada de algumas poucas horas. Ele sopra com força, alguma constância e muitas rajadas. A cada rajada fico esperando para ouvir o barulho de uma porta batendo ou algo caindo das prateleiras. Nem sempre acontece, e conforme acontece algumas vezes a tendência é que aconteça menos, visto que vamos resolvendo cada um destes pequenos acidentes e deixando a casa pronta para os ventos do outono. É como preparar a casa para receber uma visita, mas que só sabemos o que está fora do lugar quando a visita nos aponta, ou neste caso, empurra para derrubar ou fechar.
Quando nos mudamos para perto da praia e tivemos a nossa primeira experiência com os ventos do começo do outono, foi um tanto assustador. Eu sabia o quanto de vento a nossa casa antiga aguentaria, mas eu não fazia ideia de quanto a casa em que estávamos havia sido projetada para suportar. Relembrei que não é tão fácil assim destelhar uma casa ou derrubar uma árvore, desde que estes estejam solidamente estabelecidos, a casa de boa construção e a árvore bem nutrida. O lobo precisa soprar realmente muito forte para conseguir derrubar as casas modernas. E ficou tudo bem naquele ano, e em todos os outros que se seguiram, me lembrando que os ventos merecem respeito pelo que representam, mas não medo pela força que tem. A força contida neles deve ser adorada, venerada, pois é a força da mudança, a força do mundo seguindo em frente, não importa o que façamos com ele. E todos sabem que fazemos muito. Mas ele segue em frente e sopra seus ventos fortes.
Aprender a enxergar as rajadas foi um dos grandes benefícios práticos que aprender a velejar me trouxe. Para velejar, enxergar as rajadas de vento trazem benefícios se soubermos usá-las, mas também servem para nos protejer quando ainda não sabemos aproveitar todo o potencial delas. Os benefícios óbvios são os ganhos de ângulos e velocidades sem precisar lutar contra o vento, mas a favor do vento, mesmo quando se veleja contra ele. Além disso, aprender a usar as rajadas pode ser o grande diferencial entre ganhar ou perder uma regata. Todo velejador deve ter alguma história empolgante de como utilizou algumas rajadas de vento para conseguir ganhar altura em um contravento ou velocidade no popa. E da mesma forma, todo velejador também deve ter alguma história de como estava no limite e uma rajada não antecipada o fez passar desse limite e virou o barco ou exigiu uma manobra que o fez perder muita velocidade. As rajadas fazem ganhar e perder regatas, para quem sabe e não sabe usá-las. Mas voltando para o dia de hoje, ouço a rajada de vento chegando pelas árvores atrás de mim e vejo-a empurrando as árvores a minha frente. Algumas parecem que vão levar a casa, mas não chegam nem a encostar nela, passam ao largo, deixando só uma brisa entrar pela janela. Outras empurram as árvores às minhas costas contra a casa e batem em cheio nas janelas, fazendo os batentes ranger e as frestas assobiarem. Estou de costas para elas agora, mas quando estou de frente consigo me preparar para cada uma delas, sabendo até se aquela que vem ao longe vai ter força para chegar até onde estou ou não. As folhas das árvores funcionam como a superfície da água para nos contar esses segredos do vento, basta olhar e saber o que se está procurando.
Amanhã não vai dar praia. Até porque é segunda feira, dia de escola e trabalho, então já não ia dar praia mesmo. Mas digo que não vai dar praia porque a previsão diz que o vento sul, frio e seco, chega para ficar. Ela vai deixar o céu nublado hoje e talvez amanhã também, e muito mais frio do que estava, quase cinco graus mais frio. Essa é a semana para resguardo do sistema imunológico, para enfrentar a mudança rápida de temperatura, do verão que acaba de uma só vez e o outono que chega também de uma só vez. Só acabam e chegam. Para quem não olhou a previsão do tempo, essa mudança é sem fundamento. Mas para quem já estava aguardando ansioso pelo mensageiro do polo, esse vento é o presságio de bons tempos. Tempos alinhados com a estação do ano, com o momento. Não deveríamos ter mais tantos dias seguidos com temperaturas acima de trinta graus aqui nessa época, mas era o que estava acontecendo. E o suor estava brotando na testa sem nem mesmo precisar que eu me mexesse. Só por existir, ele brotava. De hoje em diante acho que vai dar para dormir com um lençol sobre o corpo.