Sento-me para escrever logo cedo, com o sol despontando. O escritório fica no quarto mais alto da casa, acima dos quartos de dormir. Deveria ser um bom silêncio, só com o som dos passarinhos cantando, dependendo do vento também escutaria o som do mar. São antes de seis horas da manhã em uma cidade onde a maior parte das coisas só começa às oito ou nove horas da manhã. Paz.
Basta o sol começar a esquentar o telhado que o forro vira uma polvorosa festa de passarinhos se deslocando, tentando sair dele para o céu lá fora, buscar seus alimentos, correr atrás de predadores, festejar entre si. Não sei se é bem isso que os pássaros fazem, mas é o que imagino que estejam saindo para fazer, como crianças quando toca o sinal para o horário de intervalo, que segundos antes estavam preparadas para correr entre as carteiras, mas os colegas da frente também estavam e assim trombam-se e derrubam cadeiras e deslocam mesas e gritam e correm pelos corredores em liberdade, em direção à quadra esportiva, à cantina, ao banheiro. Não sei exatamente em direção à quê, pois eu era dos chatos que ficava esperando os desesperados saírem para só depois me expôr ao perigo de ser atropelado. Sim, por isso era considerado um dos chatos.
Mas o objetivo não é comentar as crianças da minha infância, meus colegas de classe, mas sim os passarinhos. Eu os imagino correndo pelos vãos entre o forro e o telhado da mesma forma que aquelas crianças. Trombando entre si, desviando uns dos outros e tentando sair o mais rápido possível para o céu lá fora.
Assim, a minha paz, a minha tranquilidade, simplesmente acaba quando o sol esquenta o telhado. Depois disso os vizinhos começam a acordar, os demais viventes da casa também. A rua começa a ter movimento, cachorros latem, gatos miam, pessoas falam e gritam. E o silêncio foi embora, junto com o som das patas dos passarinhos. Também começo a ouvir o barulho de automóveis, principalmente os ônibus que passam aqui perto.
No final do dia, muitas vezes, consigo refugiar-me novamente no escritório. No finalzinho da tarde, quando o sol está para se pôr. Um horário delicioso para escrever, com os passarinhos cantando o final do dia, pouco movimento na rua, pois muitas atividades encerram por esse horário então as pessoas estão se deslocando. Os entregadores de moto ainda não começaram a circular. Reina um tempo de silêncio. Pouco tempo. Pois os passarinhos, a essa hora, voltam para seus ninhos. E muitos deles ficam entre o forro e o telhado do escritório. E todo aquele polvoroso movimento da manhã se repete, com uma diferença: de manhã eles só querem sair, enquanto de tarde eles querem chegar, arrumar alguma coisa dos ninhos que pode ter mudado, andam para lá e para cá, parece até mesmo que ciscam no forro, mas não para encontrar comida, só de pirraça comigo mesmo.
Como o forro fica alto, o cômodo foi construído pensando em deixar o forro longe do chão para não esquentar tanto todo o ambiente, então também não consigo chegar até ele para dar as pancadas que teoricamente, conforme filmes e desenhos animados, poderiam assustar as pequenas e barulhentas criaturas que moram sobre a minha cabeça. Tenho que deixá-los em paz, pois gritar também não resolve. E jogar coisas torna-se perigoso, pois qualquer um conhece algum dito popular sobre cuspir para cima e cair na testa. Assim sendo, deixo-os em paz. Mesmo que eles não me deixem em paz.
Mais tarde no dia, de noite já, os tais pássaros que moram no forro sossegam. Salvo quando a noite é quente, mas isso é um outro caso. O que acontece daí é que os cachorros de toda a vizinhança estão acordados. Já tive cachorros, e sinceramente, não sei o que acontece com esses animais nas outras casas. Na minha casa eles dormiam durante a noite e ficavam acordados uma parte do dia. Nas vizinhanças onde morei sempre foi o contrário. Os cachorros dorme durante o dia e passam a noite latindo e uivando uns para os outros. Uivando, como se estivéssemos em meio à uma grande alcateia de lulus da pomerânia e shitzus. Não sei se são essas as raças dos cachorros dos vizinhos, mas é engraçado pensar em uma alcatéia de lulus da pomerânia. Imagine o terror que esses animais não causavam quando eram selvagens, correndo pelas matas com seus pêlos grudados em dreads pela sujeira do ambiente e o sangue das presas que eles conseguiam abater. E correndo atrás de outros animais, com seus pequenos olhos arregalados e bocas diminutas prontas para dilacerar o que quer que apareça pelo caminho. Material para pesadelos, eu imagino.
Voltando aos cachorros. Hoje está difícil de manter o foco. Desculpe, aos pássaros! Não, espere. Estava escrevendo sobre o silêncio que não existe de noite também. Isso. Novo parágrafo, para corrigir a falha no começo deste. É o barulho que não permite que eu me concentre.
Além dos cachorros, existem então os seres humanos em volta. Parece que todos precisam comunicar-se por gritos. Não sei o que acontece, mas não é só nessa casa em que moramos agora. De uns tempos para cá parece que a comunicação gritada é a única forma de comunicação que existe. Sabemos tudo o que todos os vizinhos fazem, gostam, brigam. Um dos meus vizinhos não gosta de cebola, por exemplo, mas a mãe sempre coloca cebola na comida e diz para ele que não vai nem sentir o gosto, mas ele diz que sempre sente e que odeia. Daí ela o chama de ingrato e ele reclama alguma outra coisa. Batem talheres, ele agradece e fala que estava uma delícia, ela diz que é por causa da cebola. Imagino que nos escutam aqui também, pois não fazemos muito diferente. Eu tento, de vez em quando faço de conta que não estou ouvindo quando as crianças gritam, para ver se assim elas param de gritar e vem até mim para falar. Mas sabe o que elas fazem? Deixam de me gritar e voltam a gritar a mãe. Eles não estavam me gritando antes, só depois que a mãe mandou eles me procurarem e deixarem ela em paz um pouco, mas como eu não respondi, voltam para ela. Daí ela me grita para respondê-los e eu grito em resposta e assim todos os vizinhos já ouviram e devem me achar um mala que não dá suporte para a família. Não os julgo, deixo que eles me julguem. Mas eu gosto de cebola.