Choveu

Um trovão ao longe. Daqueles que se sente mais do que se escuta. Retumba dentro do peito e nos dá a certeza de que foi um trovão. Mas o dia está ainda tão bonito! Uma brisa morna sopra do norte ou nordeste, não tenho muita certeza, mas está muito agradável. Um pouco mais quente do que o meu gosto, mas definitivamente a brisa torna o dia bastante agradável.

Mais um trovão. Esse já foi percebido pelos ouvidos também. Apesar do dia continuar bonito é possível perceber que a luz do lado de fora já mudou. Estou lendo e tenho que acender uma lâmpada no escritório para manter a claridade adequada mesmo que não seja fim de tarde. Não questiono, só faço. Está previsto mudar o tempo, então é esperado que isso ocorra em algum momento do dia.

Uma janela bate. O escritório tem janelas em todas as paredes, e devido ao calor todas estão abertas. Agora aquelas que se abrem para o sul acabam de bater com força, mas não sem antes deixar entrar uma lufada de vento que gela o corpo inteiro. Não é mais a brisa morna que vinha de norte ou nordeste, mas um vento frio e cortante que vem do sul.

A janela bate novamente. Não me levantei de imediato para fechá-la, então o vento resolve que precisa puxá-la e forçá-la novamente, para ver se me tira do meu torpor literário. “Levante-se!” ele diz. E é isso que faço. Levanto e travo a janela que está batendo e as outras que estão viradas para leste e oeste, por onde também entram rajadas do vento gelado. Antes eu estava no limiar de começar a suar, agora já estou pensando se não devo colocar a camiseta.

As árvores tentam decolar. Pelo menos é o que o som do vento batendo em suas folhas parece traduzir. Ou irão decolar ou ficarão completamente despenteadas. Como nunca vi árvores decolarem coloco minhas apostas em que elas ficarão muito descabeladas. Não preocupe-me ainda com a quantidade de folhas que ficará espalhada pelo quintal, pois ainda venta e ele as levará para onde deverão ir.

Outro trovão, este precedido por um relâmpago. Agora sim é impossível fingir que o tempo não mudou, não virou. Paro minha leitura e olho pela grande janela do escritório virada para o sul. Não há mais céu, somente nuvens. Imerso que estava em meu livro não vi o tempo mudar. Foram minutos ou horas? Olho no relógio, mas de nada adianta, pois não sei que horas eram antes, então fico só com a informação de que horas são agora.

Uma lufada de vento que respinga na janela. Pois é, se havia ainda a dúvida de que iria chover, essa foi a prova definitiva de que já está chovendo. E junto com ela o margaridão que nasceu na divisa com o terreno do lado perde quatro ramos, que tentaram sustentar-se contra o vento e perderam a disputa. Tolos, não sabem que tem que ceder ao vento para depois voltar a buscar o sol? Só as grandes árvores conseguem resistir bravamente contra esse vento. E ainda assim, o abacateiro com seus ramos novos sempre acaba perdendo algum galho grande que ainda não estava completamente decidido e acaba caindo. Não se luta contra o vento, ele sempre ganha!

Não acontecem mais trovões. Eles foram somente o prelúdio do que viria e uma vez que o evento está aqui eles cumpriram seu papel e retornaram para as coxias. Agora é a vez da água, junto com o vento. O vento ficou, ele foi protagonista. A água até veio, mas não conseguiu sobrepor a força do vento. Ela dançou ao ritmo da música que o vento empurrou. Juntos armaram um espetáculo, mas a graça da água foi toda suscitada pelo vento. Se não fosse por ele a água seria linda, ainda assim, mas ele tornou-a uma bailarina. Não houve melancolia, houve movimento. Não houve choro, houve riso.

Ontem choveu. E ventou. E foi lindo.

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