Vício

Não importa para onde olhe, sempre vai haver a tentação de não fazer o que precisa ser feito. Temos essa tentação nos nossos bolsos o dia todo. Dezenas, centenas de aplicativos que foram desenhados para tomar nosso tempo e atenção com retorno quase nulo. Talvez a ocasional dose de serotonina com uma pequena recompensa, mas somente o suficiente para nos manter presos na mesma roda, buscando uma nova microdose para satisfazer nossos cérebros viciados em prazer.

E nem me fale sobre todas as tarefas e atividades que inventamos e colocamos como prioridade em nossas vidas. Enchemos a casa de coisas que depois nos tomam o tempo de manter as coisas. Trabalhamos para comprar as coisas para depois trabalhar para as coisas, mas sem deixar de trabalhar para comprar mais coisas. E depois não temos tempo de manter todas as coisas e trabalhar, então brigamos com nossos parceiros que não estão trabalhando o suficiente para manter as coisas que trabalhamos para ter. No final do dia, trabalhamos para trabalhar mais e achamos que a dose de serotonina das recompensas virtuais, já não é mais suficiente, e assim nos frustramos, somente para dormir mal e acordar cedo e trabalhar novamente. Entenda, o cérebro tem a tendência de apagar os tempos ruins e se agarrar aos bons. Ele não vai lembrar-se do cansaço do dia anterior pela falta de objetividade e significado em tudo o que se fez, só vai lembrar da pequena dose de prazer que teve ao final do dia, e assim não irá questionar tudo o que levou até ela, vai focar em obtê—la novamente, tal qual um viciado em qualquer tipo de droga, que não vê a hora do momento de usá-la chegue, e quando não chega, ele se permite criar esse momento. É o que o cérebro faz quando puxamos o telefone do bolso nos momentos mais inoportunos para buscar aquela dose mínima de satisfação.

“Mas o que fazer? Sou um viciado nisso. E que mal tem, todos somos hoje em dia, não?”. Aparentemente sim, todos somos. Muito reconhecem que assim o são, poucos buscam lutar contra, e a maioria não estão nem aí. Afinal, os tempos modernos são assim! Mas assim deveriam ser? Acho que não. Tenho certeza que não. Qualquer que seja o criador em que se acredite, desde um deus ou deuses todo(s) poderosos até a causalidade de termos simplesmente acontecido como uma consequência de diversos fatores favoráveis, tenho a certeza de que a zumbificação não era a ideia pretendida. Talvez certo estaria Tyler Durden quando achou que a solução seria implodir o sistema e trazer todos a uma base zero. Reconstruir nos dá a oportunidade de fazer diferente. Ou de fazer igual, se estivermos tão consumidos e viciados.

Mas a radicalidade de destruir a integridade e forçar que todos voltem à estaca zero talvez não seja a solução ideal. As possibilidades são infinitas hoje. Em teoria. É possível escolher até onde se quer deixar ser dominado por tudo a sua volta e ignorar tudo o mais que está reprimido dentro do ser individual. É uma escolha, por mais que não pareça. Ninguém é obrigado a estar presente nas redes sociais. Talvez isso crie alguns atritos, mas sem atrito não saímos do lugar. Vale o experimento. É possível que alguns deles os leve à decisões acertadas e outros a voltar atrás, mas só será possível descobrir quando se tentar.

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